terça-feira, julho 12, 2005

Memórias.

— Amor, se lembra o dia que nos conhecemos? — perguntei receando a resposta.
— Quem é você?
Uma pena. Agora que estamos velhos, e a doença que extingue as memórias conduziu as delas para o interior de si mesma, as coisas estão cada vez mais difíceis. Principalmente agora que ela nem me reconhece mais. Algumas vezes, em momentos de lucidez, nós voltamos aos velhos tempos, aqueles em que ela me ama, mas logo depois é como se eu nunca tivesse existido. Estou na frente de uma completa estranha. Uma estranha que tenho a paciência de contar sobre nós, tantas vezes forem necessárias, porque a amo, e estes momentos de lucidez é o que fazem eu ter motivos para viver ainda.
Assim conto para ela os momentos que estivemos juntos, e ela me olha com o rosto simples e discreto, agora tocado pelas rugas. Mas dentro dos olhos dela eu vejo ainda a antiga energia e o grito de socorro me dizendo para resgata-la. É como se o seu cérebro fosse uma prisão que ela tenta se livrar a todo instante que me olha com a forma de pergunta.
— Eu sou seu marido. Nós nos conhecemos numa viajem de barco. Muito bonita.
— Oh...— suspirou, como se estivesse mais perdida do que nunca.
— Não lembra, não é?
— Não...
— Eu entendo. Sabe, eu era bastante tímido, bastante confuso sobre a minha própria existência. Mas então você apareceu. Linda num vestido preto e conversou com o rapaz mais estranho do barco, eu.
Ela sorriu para mim como se estivesse se lembrando, mas agora eu já não me engano mais. Estes sorrisos são um truque que ela me explicou a muito tempo, e parece que eles não tiveram o mesmo azar que o resto das lembranças. Há muito ela me disse que quando não entendia o que os outros diziam, ela apenas sorria. E na ocasião eu perguntei se o sorriso que ela sempre me dava quando lhe dizia coisas bonitas era esse, ela disse que sim.
— Então nós conversamos sobre como as estrelas eram brilhantes e pareciam ser pequenas explosões sobre a circunstancias negativas que os alinhamentos desalinhados produziam.
— João? — ela reproduziu o anseio que parecia conter a muitos anos.
— Eu, meu bem. — o momento que estava esperando a tantos dias finalmente vinha à mim, e de tanta surpresa, me fez parar um instante, meio em dúvida. — Você... Você esta aqui. Eu te amo.
— Eu também.
— Lembra do dia que nos conhecemos? — perguntei receando a resposta.
— Quem é você?
Chorei.

Um comentário:

Arthur disse...

o amor é lindo? não...