sábado, julho 09, 2005
Cabeça de porco
Nasci para cair. Não só cair no sentido metafórico, mas tropeçar e afundar o rosto na lama, esfolar os cotovelos e grasnar durante a queda. Tudo para, ao lamber o concreto, fingir um ferimento grave na panturrilha e despistar o riso inevitável dos transeuntes. Posso dizer que morar em um prédio alto não está nos meus planos - que aliás mudam constantemente, pegam uma corrente ascendente e somem no espaço. Crio conceitos e certezas absolutas que, num piscar de olhos, se tornam tão obsoletos quanto um chapéu invisível. Há, pairando acima da minha cabeça, uma mão invível e gigantesca, que sacode meu crânio toda vez que me deparo com meu próprio ser, urrando e dando coices no ar; uma manopla que joga diante de mim o que eu devo fazer e o que eu acho que devo, sendo que os dois são exatamente o mesmo. Essa mão nasce na atmosfera, não possui um braço ligado a um ombro ligado a um corpo. Seus tendões são feitos de nuvem, e de pequenas esferas de cor verde ao mesmo tempo cinza que flutuam ora como bolhas, ora como vagalumes. Essa esferas são visíveis quando o tempo para: ai posso olhar para um ponto fixo e vê-las pipocando dentro do meu campo de visão. O movimento delas tende para um centro, como se eu largasse moedas numa pia e tirasse a tampa do ralo. O porém é que que elas acompanham a minha visão, então esse eixo muda conforme eu me mexo! Estando aqui no lodo, me refazendo do tombo, olho para o alto e essa ilusão ótica parece mandar que eu me erga, siga em frente para futuras quedas. Mas é ai que está o grande problema, pois quando eu olho para o próprio chão, para o lixo imundo que eu pus aqui e xinguei quem pôs depois de mim, essa vertigem tem o mesmo efeito. Então, continuar caído parece tão eficiente quanto levantar, afinal, vou cair mesmo! Quisera eu perder essa vontade de entender e evitar essas quedas. A força motriz da realidade é inconstante e indefinível, dentro do conceito cíclico de definição. Não há razão para que um indivíduo se dê bem ou mal, e ao mesmo tempo há razão; o bem e o mal são relativos. Dentre tantas (in)conclusões inúteis, eu já faço meu leito aqui no meio do lago de lama e escremento em que me encontro, evitando assim futuras surpresas agradáveis.
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Um comentário:
dizem que a mascara de lama tras a beleza efemera do nada e o imaginario da conclusão passiva. mas o que isso quer dizer?
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