segunda-feira, julho 11, 2005

Ultimo Encontro.

Desci do balcão e olhei pela janela: chovia muito, e os pingos que caiam projetavam caminhos d’água no vidro embaçado pela minha respiração. Quando não estava mais, finalmente, pensando em nada, foi quando ela pareceu. No primeiro momento eu senti a presença de alguém me observando, mas logo depois ela encostou a mão no meu ombro. Senti seu toque macio e seu cheiro doce vindo ligeiro.
— João?
— Ele. — respondi e me virei.
— Oh, Papai — ela me abraçou. E senti um momento de intimidade que nunca havia tido antes. E posso dizer, com uma completa estranha.
— Papai? — Perguntei — impossível, eu tenho apenas quatorze anos.
Ela aparentava ter mais de vinte anos, e estava completamente louca.
— Eu sei, papai. Não ache que sou louca — ela parecia ler meus pensamentos — Mas é que eu estou sonhando...
— Com certeza está.
— Não! O senhor não entendeu. O Senhor já está morto.
— Não sou senhor, sou apenas um garoto. E é claro que não estou morto!
— Está sim! Você só existe no meu sonho. Antes de dormir, eu pedi a chance de conhecer você.
— Conhecer? Como assim? Do que você está falando?!
Ela me explicou, e eu entendi o que estava acontecendo. Ela era minha filha, mas de um tempo ainda distante. Os caminhos que a trouxeram para esse tempo aqui, certamente nem ela conseguiu entender. Só sabia que eu havia morrido antes dela nascer, mas não perguntei como nem onde, porque ninguém quer saber estas coisas. E ela acabou crescendo sem pai. Numa noite qualquer, ela sentiu a maior saudade que poderia sentir de alguém que não conhecia, e por isso desejou de todo coração que pudesse voltar no tempo e me conhecer. No início eu não entendi muito bem, mas logo depois ela me convenceu. contou coisas que ainda não haviam acontecido comigo, e também coisas sobre meu passado. Coisas que somente minha esposa poderia saber se, por acaso, eu tivesse uma esposa algum dia.
— ...Mamãe não conseguiu lhe avisar que estava me esperando, quando você partiu. — ela terminava de contar as explicações sobre meu futuro.
— Eu sinto muito você ter crescido sem pai. Certamente eu teria sentido muito orgulho de você. Você é linda. — ela tinha os cabelos crespos como os meus, mas seus olhos eram verdes como os da mãe, e só poderia ser porque os meus eram negros.
Conversamos horas sobre assuntos banais, assim como qualquer pai e filha. E já posso ter orgulho deminha filha mesmo antes dela nascer. Porque no futuro, ela estará estudando medicina e com sonhos de ajudar a África carente de humanidade. Mas ela sabe que quando acordar deste sonho, achará apenas que foi mais um sonho, assim como muitos que tem tido sobre mim. E eu, aqui no passado, não terei como avisa-la de que não foi. Mas já posso escolher seu nome depois de grande, para combinar com seu rosto de Sofia.

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