terça-feira, julho 19, 2005

Os Tempos Modernos

Somos os últimos humanos
Correndo atrás dos anos
Em seu tempo perdido
Somos o que somos
Nem perto do que fomos
Do nosso passado caído

O futuro é feito agora
Montado em cima da hora
Pra mostrar respeito
Onde o tempo corre ao contrario
Velho sentado no santuário
Barba sob o peito

Não me pare se estiver correndo
Não me pergunte se estiver morrendo
“O que eu posso fazer?”
Os tempos modernos
São frutos maduros
Não temos tempo a perder!

domingo, julho 17, 2005

Conversa de Bar n.º 3

— Me vem aquela loirinha! Garçom! Ei, Garçom! Aquela ali, bem geladinha!
— Escuta amigo, já não bebeste demais? — o garçom estava nervoso.
— Que mané demais, o quê?! Me passa logo a loirinha e não se fala mais nisso!
— Escuta senhor, aquela ali é a minha filha. Por favor, queira se desculpar! — o garçom estava bem vermelho já.
— Garçom, é pra hoje! Vamos! Me traga a loirinha! Eu quero ela! Vamos! — ele sacudia o braço do garçom, mas não via o quanto ele estava vermelho de raiva.
Enquanto o garçom perdia seu emprego por espancar o cliente, na outra mesa a conversa continuava. Alegre a bonita, pois um dos três queria ir para a Lua, enquanto o outro queria vender a passagem.
— Claro que tu pode ir para a Lua! É três, dois, um – fogo!
— Para com isso! — interveio o terceiro — já é a quinta vez que tu vende uma passagem pra Lua para ele. E ta parecendo que tu só vem aqui pra pega o dinheiro dele, primeiro pede varias cervejas, e depois deixa ele bem tchuco, rouba o dinheiro dele e ainda faz ele pagar a nossa conta!
— E tu ta reclamando por quê? Ele paga a tua também!
— As dua maricotas poderiam pará de discuti e me dá logo essa passage! Eu to loco pra flutuare!
— Claro! — os dois responderam e deram um pedaço de guardanapo para o amigo.
Tudo isso enquanto João fazia a barba no banheiro do bar. Aquela barba vinha toda hora, e nas mais incomodas. Vinha na hora do chope. O que era um incomodo frustrante: coçava e ele ficava todo vermelho. Vermelho como pimenta. E as companhias reparavam, e ele ficava mais vermelho de vergonha. Trazia sempre junto um estojo de barbear. E fazia ali mesmo, na pia. Onde todos usavam, urinavam e cheiravam uma droga. Ele já não queria mais ter barba. E que saudade do tempo em que o sonho era ter.
— Boa noite, João. De novo a barba?
— Boa noite seu Onofre, sempre ela. Sempre. Dá vontade de arrancar a cabeça. Para ver se pára de crescer. Claro! — saltou aquelas risadas típicas dele.
— O bar estpa lotado hoje, hein? Nem parece o dia da dor de cabeça...
— Dia da dor de cabeça?
— Dor de cabeça... pois é. Esse governo inventa cada feriado! Tem até para se beber.

sábado, julho 16, 2005

Meridiano

A silhueta do jovem capataz despontou na linha vermelha do horizonte, como se emergisse calmamente de um lago escaldante nascido nas entranhas do Inferno, idéia que Seu Ambrósio considerava impossível, pois havia mandando o rapaz ao mercado, e a mais nenhum outro lugar. O moço chegou com a noite, acompanhado por um véu úmido que anunciava uma noite típica de Verão, repleta de sons e insetos que vinham refrescar perto o sangue dos homens.
-Brrr! Noite, seu Ambrósio!
Com um rosto impassível e com uma das mãos no relho, o velho iracundo deu um pulo do banquinho onde esteve de atalaia a tarde toda.
-Eu vou é partir essa sua cabeça ossuda! Como foi no mercado?
-Olha, a coisa tava mais preta que a cara do Negro Osmar.
-Tanto assim? Digo...Como assim “tava”? Então você conseguiu comprar o cavalo? Desembucha, homem!
-O Manga-Larga não...só porque o seu Honorário queria oitocentos contos de réis por ele! Aí eu já ia desistir, mas apareceu um sujeito diferente...
-Diferente como? Assim meio... “abichornado”?
-Não!! Longe de mim, seu Ambrósio! O caso é que o cabra escondia a cara debaixo dum chapelão de palha e meio que rebolava entre uma palavra e outra. Até achei que era algum bêbado, e já puxei o facão!
-Isso nem é facão, ta mais pra um chanfalho enferrujado... E o que o homem tratou contigo?
-Ele ouviu a minha tentativa de comprar o cavalo do Seu Honorário, então veio todo educado e me ofereceu o cavalo dele. Mas tinha um porém.
-Porém? Isso não me cheira bem!
-Eu também senti um cheiro estranho, patrão, mas não falei nada por educação. O guasca pediu pra eu assinar meu nome num papel, e eu assinei.
-Quê?! Absurdo! Por que diacho você fez isso? Pelo menos leu o papel?
-Sim?
-Ah, Joaquim! E se fosse um contrato? Você pode ter vendido nossa fazenda em troca de um cavalo que eu nem vi ainda... E pior: pode ser coisa do Cão.
O capataz fez a mesma cara que um coveiro faria ao ouvir um riso de dentro de um caixão. Ficou tão branco que quase podia se camuflar nos ladrilhos do banheiro de seu Ambrósio, que a esse ponto já estava apavorado.
-O o senhor a-acha mesmo? E agora?
-Calma, guri, eu to só brincando! – seu Ambrósio disse isso com expressão de quem não estava brincando.- Na certa era só um nota fiscal ou algo assim. Mas e o tal do pitiço, pelo menos tem saúde, tem porte?
-Acho que fiz bem, por que não é um cavalo comum, afinal, ele não pode morrer.
-Ah bom se você..QUE? Nós não podemos mata-lo, é isso?
-Pelo que eu entendi, não. Ele pode morrer cinco vezes: enquanto ele estiver vivo, estaremos bem; imagina cavalgar sem parar pra pastar nem beber água, nem gastar com veterinário!
-Eu vou te matar.
-Larga essa pá, seu Ambrósio! Eu comprovei a história. Pra provar que eu não sou burro nem nada, eu roubei a espingarda do Seu Roque e fui com o cavalo até o bosque. Lá, eu meti duas balas no meio da cabeçorra do bicho, e ele continuou em pé! Deu um berro horrível e começou a coicear, mas fora isso estava vivo.
-Não sei se te mato por ter roubado uma arma, por ter atirado num bicho indefeso e ainda por cima caro, ou por ter feito essa lambança toda, seu filho de uma vaca!
-Ai, calma! A noite vai ser clara hoje, vamos lá ver o cavalo e o senhor vai mudar de opinião.
Os dois se meteram mato adentro até o ponto mais elevado do terreno, onde marulhava um córrego em alguma proximidade indeterminada. Lá estava o cavalo, acima de um pequeno morro.
-Meu Deus, e não é que tem marca de bala mesmo? Como foi que cicatrizou em um dia só?
-Ué, essa foi a promessa do vendedor, o cavalo nunca morria. De primeira eu fiquei na dúvida, mas ali na minha frente mesmo ele decepou uma orelha do animal e ela prontamente cresceu de novo!
-E não é que você fez um ótimo negócio? Podemos transportar quanta carga nos for encomendada em apenas uma viagem, pois se os ossos do bicho quebrarem, voltarão ao que eram num instante!
-Mas façamos isso com prudência, afinal, ele tem apenas duas vidas.
-Ora, piá de merda, você acabou de dizer que ele tinha cinco vidas!
-Bem lembrado, “tinha”... É que logo que eu comprei ele, eu trouxe e dei um tiro bem no meio do focinho.
-Sei.
-Mas eu estava meio de longe, então achei que tivesse errado; ai eu atirei de novo.
-Bem típico! Mas você mesmo disse que só deu dois tiros nele!
-Com a espingarda sim. É que no segundo tiro ele tombou, ai eu me caguei todo, então corri até a despensa e fui pegar um balde de água e aqueles produtos da veterinária da cidade. Quando eu cheguei, o cavalo tinha sumido.
-Você comprou um animal enfeitiçado e sequer amarrou ele??
-Eu amarrei sim, mas acho que apartei demais o laço, por que quando eu o avistei, ele estava com a cabeça pendurada por uns fios de pele e fibra. Ai eu achei que era uma assombração e disparei de novo. Quando eu juntei a arma do chão, derrubei os remédios todos na grama. Nisso, o cavalo começou a tremer e a cabeça voltou ao lugar com um esforço mínimo.
-Cruz credo isso parece magia negra. Temos que benzer o cavalo. Chama o padre Carolino!
-Não posso.
-Por que?
-Por que eu matei ele. Quando o cavalo se recompôs pela quarta vez, o pobre do padre viu tudo e sai correndo pra espalhar a novidade. Se todo mundo soubesse, nossa vida viraria um Inferno! Eu usei a última bala no padre... E eu tenho a impressão de que o moço que e vendeu vai voltar aqui.
-Por que você diz isso?
-Ué, ele disse que voltaria caso o cavalo gastasse as cinco vidas.
-Aaargh!! Por que você não me disse tudo isso logo que chegou?
Nisso, do meridiano azul escuro surgiu uma figura. Como um enxame que se materializava girando no ar, sacudindo as cortinas das casas adormecidas e as folhas mortas dos quintais.
-Vim buscar tua alma, pobre mortal. Não soubeste lidar com tamanha responsabilidade, assim como Ele também não soube em outras eras.
-Seu Ambrósio, preciso lhe dizer uma última coisa.
-Diga, pobre condenado!
-Bem, eu não sabia escrever meu nome inteiro, então pus o do senhor, já que eu tive que escrever pelo senhor tantas vezes nas promissórias e nas contas da venda... O nome que me surgiu na mente foi o seu.
E entre irradiações intensas, os dois ascenderam rumo á mais longínqua das estrelas, deixando ali, numa noite agradável de Verão, um homem em sua mais nobre e verdadeira condição humana: a de ganancioso.

sexta-feira, julho 15, 2005

Peregrino.

— Tirem logo ele daí!
— Mas colocar quem no lugar? — perguntei.
— Qualquer um! Desde que se tire esse daí! Já não agüento mais isso aí!
— Acha que vai mudar alguma coisa colocando outro?
— Sim! claro que vai! É só colocar outro!
— Mas quando colocamos esse aí, não pensávamos que iria melhorar?
— Sim! mas acontece que estávamos enganados!
— E o que te faz crer que estamos certos agora?
— A esperança.
Eu sempre pensei assim. Mesmo que o próximo faça a mesma coisa, todos querem ir para o próximo. Em certas vezes é melhor ser pessimista. Toda essa esperança apenas nos faz sofrer mais. É mais fácil aceitar. As coisas são assim: Pessoas fazem seu trabalho mal, são substituídas por outras que fazem tão mal quanto, e no fim, o conceito daquela tarefa acaba se tornando aquilo mesmo, porque nunca se fez o que se propôs fazer.
— E se botássemos alguém de confiança?
— Alguém com mais confiança que tínhamos nesse aí?
— É! Alguém com mais confiança!
— Ninguém tem tanta confiança em alguém.
— Então o que você propõe?
— Que o tempo passe rápido. Muito rápido. E que algum dia eu esteja errado ao olhar para a humanidade com meus olhos cruéis. — Não acho que estarei errado algum dia. É uma coisa lógica.
Só se decepciona quem espera alguma coisa boa. Eu não esperava nada de bom de alguém que tivesse tantas coisas para fazer, e com tanto recurso para receber. É o problema da nossa empresa. Está na hora de fazer algumas mudanças que realmente mudem alguma coisa. Não podemos esperar que os homens sejam bons com tanto poder nas mãos, com tantos problemas para resolver e sem nenhuma idéia de como fazer.

quinta-feira, julho 14, 2005

Temporal.

Não ter opção já é opcional. Não há dúvida. Ter uma opção é já opcional, também. Não há dúvida. Ter duas opções é normal e corriqueiro. Não há dúvida. Ter três opções é fantástico. E quanto mais, pior. Há dúvida. Quanto mais opções, mais dúvidas. Qual escolher? Qual? Me diga! Era tão bom a lanchonete ter apenas duas opções: Xis com ovo, sem ovo. Mas agora não. Toda essa evolução. Todos esses números. Todas essas dúvidas.
Por isso eu gosto do temporal. Aquele que os raios caem e iluminam a noite, e por um instante parece que os pingos ficam parados no ar, enquanto a luz dura o tempo suficiente para se perceber que está chovendo. Não há opção. É só ficar olhando. Mesmo que não queira olhar, não há o que fazer. Não há ninguém que não queira ver o momento se congelar. E toda a tranqüilidade de estar sozinho em casa olhando pela janela. Seco, enquanto tudo lá fora pára por um instante, e depois volta a funcionar como se deve: molhado.
Por isso que eu gosto do temporal. Neste tempo em que se fica mais sugestivo a olhar-se para dentro. Mesmo que for contraditório com o que escrevi acima. Posso dizer não contraditório, mas usar a desculpa dos meus amigos Hegelianos, e dizer que agora o conceito se transformou em seu contrário. Há mais uma opção, ao invés de uma: Eu posso olhar não apenas pela janela de vidro, mas pela janela da alma, e ver o temporal que ocorre dentro de mim. E os relâmpagos, iguais aos da janela de vidro, fazem congelar o interior o suficiente para se perceber que está chovendo. É especial ter essa sensação. A sensação de chuva por dentro. De tormenta. De angústia. De mistério. E depois a vontade de comer numa lanchonete. Mas daquelas simples. Aquelas que mesmo com fome se espera pelo xis sem ovo, com ovo. Ou com a maionese que sempre vem, mesmo quando não se quer. São esses simples momentos que fazem da vida a própria vida.
Uma vez, em todo dia, eu vejo pessoas apressadas querendo chegar o mais rápido possível em algum lugar, para depois sair o mais rápido possível dele, e chegar de novo em algum lugar o mais rápido possível, para depois sair dele...É assim. Ninguém mais aproveita a vida. A vida simples do temporal. A vida sem muitas escolhas. O cotidiano sem correria. O momento frisado pela luz do relâmpago que congela a vida só para mostrar que ela existe.

quarta-feira, julho 13, 2005

Carta Suicida n.º 5

Olhe o que fez comigo. Veja bem. olhe como me deixou: Aqui. Todo esse tempo você mentiu para mim? Seria isso? Mas agora você não está aqui do meu lado para responder. Essas perguntas que eu fiz, só me levam a crer que nada que fizemos foi verdadeiro. Que nada que construímos foi capaz de durar mais do que o tempo em que nos beijamos. Você me abandonou e eu estou aqui, escrevendo esta carta. Não sei se você vai chegar a lê-la, mas mesmo assim ela serve como desabafo meu para esse seu egoísmo. Mas não pense que me arrependo de tudo que fizemos. De tudo que construímos enquanto estava de pé. Antes de você ir assim, sem dar explicações, sem deixar ao menos um carta. Nem que fosse apenas dizendo adeus. Nada. E agora aqui, sem ninguém mais, eu faço a última pergunta: Por que foi se matar, meu bem?

terça-feira, julho 12, 2005

Memórias.

— Amor, se lembra o dia que nos conhecemos? — perguntei receando a resposta.
— Quem é você?
Uma pena. Agora que estamos velhos, e a doença que extingue as memórias conduziu as delas para o interior de si mesma, as coisas estão cada vez mais difíceis. Principalmente agora que ela nem me reconhece mais. Algumas vezes, em momentos de lucidez, nós voltamos aos velhos tempos, aqueles em que ela me ama, mas logo depois é como se eu nunca tivesse existido. Estou na frente de uma completa estranha. Uma estranha que tenho a paciência de contar sobre nós, tantas vezes forem necessárias, porque a amo, e estes momentos de lucidez é o que fazem eu ter motivos para viver ainda.
Assim conto para ela os momentos que estivemos juntos, e ela me olha com o rosto simples e discreto, agora tocado pelas rugas. Mas dentro dos olhos dela eu vejo ainda a antiga energia e o grito de socorro me dizendo para resgata-la. É como se o seu cérebro fosse uma prisão que ela tenta se livrar a todo instante que me olha com a forma de pergunta.
— Eu sou seu marido. Nós nos conhecemos numa viajem de barco. Muito bonita.
— Oh...— suspirou, como se estivesse mais perdida do que nunca.
— Não lembra, não é?
— Não...
— Eu entendo. Sabe, eu era bastante tímido, bastante confuso sobre a minha própria existência. Mas então você apareceu. Linda num vestido preto e conversou com o rapaz mais estranho do barco, eu.
Ela sorriu para mim como se estivesse se lembrando, mas agora eu já não me engano mais. Estes sorrisos são um truque que ela me explicou a muito tempo, e parece que eles não tiveram o mesmo azar que o resto das lembranças. Há muito ela me disse que quando não entendia o que os outros diziam, ela apenas sorria. E na ocasião eu perguntei se o sorriso que ela sempre me dava quando lhe dizia coisas bonitas era esse, ela disse que sim.
— Então nós conversamos sobre como as estrelas eram brilhantes e pareciam ser pequenas explosões sobre a circunstancias negativas que os alinhamentos desalinhados produziam.
— João? — ela reproduziu o anseio que parecia conter a muitos anos.
— Eu, meu bem. — o momento que estava esperando a tantos dias finalmente vinha à mim, e de tanta surpresa, me fez parar um instante, meio em dúvida. — Você... Você esta aqui. Eu te amo.
— Eu também.
— Lembra do dia que nos conhecemos? — perguntei receando a resposta.
— Quem é você?
Chorei.

segunda-feira, julho 11, 2005

Ultimo Encontro.

Desci do balcão e olhei pela janela: chovia muito, e os pingos que caiam projetavam caminhos d’água no vidro embaçado pela minha respiração. Quando não estava mais, finalmente, pensando em nada, foi quando ela pareceu. No primeiro momento eu senti a presença de alguém me observando, mas logo depois ela encostou a mão no meu ombro. Senti seu toque macio e seu cheiro doce vindo ligeiro.
— João?
— Ele. — respondi e me virei.
— Oh, Papai — ela me abraçou. E senti um momento de intimidade que nunca havia tido antes. E posso dizer, com uma completa estranha.
— Papai? — Perguntei — impossível, eu tenho apenas quatorze anos.
Ela aparentava ter mais de vinte anos, e estava completamente louca.
— Eu sei, papai. Não ache que sou louca — ela parecia ler meus pensamentos — Mas é que eu estou sonhando...
— Com certeza está.
— Não! O senhor não entendeu. O Senhor já está morto.
— Não sou senhor, sou apenas um garoto. E é claro que não estou morto!
— Está sim! Você só existe no meu sonho. Antes de dormir, eu pedi a chance de conhecer você.
— Conhecer? Como assim? Do que você está falando?!
Ela me explicou, e eu entendi o que estava acontecendo. Ela era minha filha, mas de um tempo ainda distante. Os caminhos que a trouxeram para esse tempo aqui, certamente nem ela conseguiu entender. Só sabia que eu havia morrido antes dela nascer, mas não perguntei como nem onde, porque ninguém quer saber estas coisas. E ela acabou crescendo sem pai. Numa noite qualquer, ela sentiu a maior saudade que poderia sentir de alguém que não conhecia, e por isso desejou de todo coração que pudesse voltar no tempo e me conhecer. No início eu não entendi muito bem, mas logo depois ela me convenceu. contou coisas que ainda não haviam acontecido comigo, e também coisas sobre meu passado. Coisas que somente minha esposa poderia saber se, por acaso, eu tivesse uma esposa algum dia.
— ...Mamãe não conseguiu lhe avisar que estava me esperando, quando você partiu. — ela terminava de contar as explicações sobre meu futuro.
— Eu sinto muito você ter crescido sem pai. Certamente eu teria sentido muito orgulho de você. Você é linda. — ela tinha os cabelos crespos como os meus, mas seus olhos eram verdes como os da mãe, e só poderia ser porque os meus eram negros.
Conversamos horas sobre assuntos banais, assim como qualquer pai e filha. E já posso ter orgulho deminha filha mesmo antes dela nascer. Porque no futuro, ela estará estudando medicina e com sonhos de ajudar a África carente de humanidade. Mas ela sabe que quando acordar deste sonho, achará apenas que foi mais um sonho, assim como muitos que tem tido sobre mim. E eu, aqui no passado, não terei como avisa-la de que não foi. Mas já posso escolher seu nome depois de grande, para combinar com seu rosto de Sofia.

domingo, julho 10, 2005

Cleptolunático.

Não é natal, e nem deveria ser, mas na minha porta havia uma guirlanda de enfeite. Não era de natal, estava só escrito “Aqui mora gente feliz” Acho que como está escrito na maioria destas guirlandas. Ou então no tapete, do estilo “Welcome”, em inglês. Mesmo que o habitante da casa não saiba inglês. Bom, isso não tem importância. O que tem, é que havia um guirlanda, que não é de natal, na porta da minha casa. Isso mesmo, havia. Passado. Roubaram. Mas não foi só a minha guirlanda, e sim a de vários apartamentos do prédio. É estranho pensar assim: “vou roubar essa guirlanda”. Não entendo por que uma pessoa faria isso. Talvez não seja uma pessoa. Talvez seja um Cleptolunático!

Estranho foi o jeito que alertaram o condomínio do suposto cleptolunático, colocaram um aviso no elevador, “Neste prédio há um Cleptolunático: Roubaram o tapete do apartamento 33”, e assinado: “Dona do Apartamento 33”. Logo abaixo estava escrito novamente, só que à caneta: “Roubaram novamente, a guirlanda do apartamento 33 sumiu”. O Estranho é que uma guirlanda do prédio 23 não foi, nem a do 43, e nessas esta escrito: “Bem-vindo”. Talvez o cleptolunático só roube o que está escrito “Aqui mora gente feliz”. E por ser tão lunático, ele esteja tentando roubar a felicidade dos outros moradores, e já que não consegue, acha que assim é mais fácil. Talvez seja a própria moradora do apartamento 33 que esteja roubando. Quem vai saber?!

sábado, julho 09, 2005

Cabeça de porco

Nasci para cair. Não só cair no sentido metafórico, mas tropeçar e afundar o rosto na lama, esfolar os cotovelos e grasnar durante a queda. Tudo para, ao lamber o concreto, fingir um ferimento grave na panturrilha e despistar o riso inevitável dos transeuntes. Posso dizer que morar em um prédio alto não está nos meus planos - que aliás mudam constantemente, pegam uma corrente ascendente e somem no espaço. Crio conceitos e certezas absolutas que, num piscar de olhos, se tornam tão obsoletos quanto um chapéu invisível. Há, pairando acima da minha cabeça, uma mão invível e gigantesca, que sacode meu crânio toda vez que me deparo com meu próprio ser, urrando e dando coices no ar; uma manopla que joga diante de mim o que eu devo fazer e o que eu acho que devo, sendo que os dois são exatamente o mesmo. Essa mão nasce na atmosfera, não possui um braço ligado a um ombro ligado a um corpo. Seus tendões são feitos de nuvem, e de pequenas esferas de cor verde ao mesmo tempo cinza que flutuam ora como bolhas, ora como vagalumes. Essa esferas são visíveis quando o tempo para: ai posso olhar para um ponto fixo e vê-las pipocando dentro do meu campo de visão. O movimento delas tende para um centro, como se eu largasse moedas numa pia e tirasse a tampa do ralo. O porém é que que elas acompanham a minha visão, então esse eixo muda conforme eu me mexo! Estando aqui no lodo, me refazendo do tombo, olho para o alto e essa ilusão ótica parece mandar que eu me erga, siga em frente para futuras quedas. Mas é ai que está o grande problema, pois quando eu olho para o próprio chão, para o lixo imundo que eu pus aqui e xinguei quem pôs depois de mim, essa vertigem tem o mesmo efeito. Então, continuar caído parece tão eficiente quanto levantar, afinal, vou cair mesmo! Quisera eu perder essa vontade de entender e evitar essas quedas. A força motriz da realidade é inconstante e indefinível, dentro do conceito cíclico de definição. Não há razão para que um indivíduo se dê bem ou mal, e ao mesmo tempo há razão; o bem e o mal são relativos. Dentre tantas (in)conclusões inúteis, eu já faço meu leito aqui no meio do lago de lama e escremento em que me encontro, evitando assim futuras surpresas agradáveis.

sexta-feira, julho 08, 2005

Política IV

Vencer? Não. Perder? Não. Afinal, o que quero?! Simples. O que todos desejam mas que ninguém alcança. Aquilo que faz o mundo girar e que não é dado a nenhum mortal. Aquilo que anseio é aquilo que não posso ter.
Sonhar é o que quero, realizar os sonhos, Não. Eu quero sonhar e ficar tranqüilo de que aquilo que quero, eu ainda tenho que conseguir. Mas se eu conseguir, o que vem depois? Nada? Outros sonhos? Sonhos melhores? Sonhos Maiores? Não sei.
Se eu pudesse fazer apenas um desejo, eu pediria mais desejos - todos pediriam isso. E com os outros, eu pediria TUDO! Porque eu desejo tudo. Tudo é o que faz a mundo girar, suas engrenagens, seus arreios, suas raízes, seus centros de gravidade. Tudo! E tudo, é o que não podemos ter, mesmo que todos desejem. E por ter medo de parar de sonhar, eu sonho com tudo, porque assim, não realizo meu sonho. ÀDeus.
A ganância é meu combustível, e com a guerra, ele cresce de valor. A ganância negra de restos do passado. Aquilo que diluído, passa a ser meu néctar sagrado e pegajoso, fedorento. Minha ganância serve de nauseante para homens e mulheres, e por estrangeiros velozes, eu a vendo, porque eles pagam maior preço. Assim funciona meu trabalho, e assim eu trabalho. Porque eu gosto.

quinta-feira, julho 07, 2005

Cicatrizes.

Cicatrizes são troféus?! - Me pergunto sentado no ônibus. Depende do ponto de vista. Se você acredita que uma marca de um fracasso pode lhe ser útil algum dia, você está enganado. Cicatrizes são marcas de que você viveu amargamente ou perigosamente. São marcas de um sofrimento que passou e lhe tornou mais fortes, ou então aleijado. O meu problema é que não sei se já posso cuidar da cicatriz do meu coração. Ele ainda bate, mais está menos fervoroso.
A volta a si, o segundo dia após um desastre, sempre é difícil, e não pode ser mediadas as conseqüências que essa ferida causou no momento. Hoje eu voltei da Lua e os últimos dias foram como tremores de um leprático suicida. Quando entrei no ônibus, eu desejei nunca mais voltar para a Lua, não enquanto meu coração não cicatrizar, e quando isso acontecer, poderei voltar e mostrar meu troféu. Um Grande troféu.
Ao sentar no ônibus, deixei tudo que eu tinha até agora, desde que fui para a Lua, como minha esperança, minha confiança, meu desejo da vida, meu amor. Mas, como venho a acreditar momentaneamente, isso é passageiro. Conheci alguém hoje, não alguém qualquer, mas alguém especial. Uma extraterrestre loura, e por mais que goste de morenas, ela teve o mesmo efeito sobre mim, o de me atrair e destruir. Deixo que meu coração guie minha vida. Talvez eu sofra mais um pouco. O que é o ser humano, se não um masoquista estúpido que repete os mesmos erros? Eu sou. Minha cicatriz não fechou, mas eu não me importo, quero viver, sofrer e morrer. Sentido na vida?!

quarta-feira, julho 06, 2005

Conversas Paralelas.

Sentados a mesa, eu e a Morte decidíamos meu futuro em uma partida de xadrez.
Assim como no filme de Ingmar Bergman, tentei me apegar ferrenhamente a minha vida, inventando sonhos que pudessem acontecer caso eu sobrevivesse.Nos fitamos por um tempo.
- Seu rosto me é familiar...- falei, com um ar contemplativo.
- Impossível. Eu sequer existo. Talvez meu rosto seja uma mistura dos rostos guardados na sua memória, de entes queridos ou figuras carismáticas. Isso para tornar nosso papo mais aceitável, descontraído. Para falar a verdade, você me criou apenas para adiar as respostas que você já tem, mas não quer aceitar por serem duras demais.
- Então, eu estou criando essa conversa? Eu posso então te transformar em uma cadeira?
- Não, não pode.
- Qual o motivo real disso tudo? Viver um bom tempo sem aproveitar e, quando cair em si, morrer? As conquistas são inúteis! O amor é, então, o sentimento nulo de se firmar pateticamente a alguém ou alguma causa, e usar isso como desculpa para permanecer vivo?
- Tantas perguntas, e você já sabe todas as respostas.
- Tem razão... Alexandria me faz querer viver novamente, sinto abrir caminhos queimantes em meu peito ao pensar nela... Engraçado, esses lapsos de memória deixam imagens de rostos queridos voando, com uma áurea azulada ao redor, circundando entre fatos reais e simples anseios, flutuando por aí...
- Foi uma boa conversa, pena que eu tenha que deixar de existir...- Ekerot se debruçou sobre a tabuleta e pesou a cabeça sobre as mãos, Enquanto isso, derrubei o tabuleiro no chão, por que eu teria perdido e morrido, e logo quando eu havia entendido tudo: Alexandria me espera! O Mundo me espera!!

terça-feira, julho 05, 2005

A Lua é Assim.

Hoje vou deixar minha cidade, minha terra e minha consciência. Hoje vou à Lua.
Hoje vou ver o meu amor. A Lua me enche de esperança, uma esperança fria e amarga, daquelas que como o vento frio, nos fazem tremer. Alexandria me espera. O meu amor me espera. A verdade me espera.
Talvez eu já soubesse o que viria. Os deuses deveriam estar brincando comigo. A quanto tempo não vejo Alexandria? A eternidade, para mim. Acredito que a eternidade seja tempo suficiente para despertar a paixão, mas ela não foi suficiente para apagá-la. Talvez a eternidade seja tempo suficiente para nos mudar por fora, mas por dentro continuo o mesmo.
Na Lua, eu descobri o amor, e ela também, mas não ao mesmo tempo, pois o namorado dela é mais velho que ela e eu juntos.
Rubens é legal, tenta parecer legal que acaba por convencer a todos. Na Lua ele roubou o meu lugar, meu lugar no coração de Alexandria, no time de futebol, na mesa de jantar da Dona Mercúria, etc. Tudo que era meu ele roubou. E não há nada que eu possa fazer, além de sentar aqui e filosofar sobre erros terríveis do passado, que vem a tona através de castigos duros e perpétuos, até o momento.
Alexandria me reconheceu, por mais que esperasse isso, não acreditava. Ela me abraçou e disse que sentia saudade, mas é mentira, eu posso sentir. Rubens sente meu ciúme.
Virei amigo dele, essa parte eu me envergonho, porque o ciúme se torna vingança, e amanhã iremos até a queda d’água da Lua, eu poderei recuperar Alexandria ou perde-la para sempre, e me perder também.

segunda-feira, julho 04, 2005

Paisagens Urbanas III

Hoje descobri como caminhar pelas ruas da minha cidade é bonito. Suas ruas sujas e cinzas, suas calçadas irregulares, seus cidadãos sujos e imundos, seu lixo ao qual tropeço, emporcalham as ruas. Devo admitir que aqui, como em qualquer cidade é assim, grandes aglomerados de vida urbana se difundem na paisagem que faço parte.
Hoje caminhei com um vaso de flor, e por mais comum que pareça um gesto desses, eu notei olhares e risadas vindo de toda a parte. O que, Santo Deus, pode haver de errado em um vaso de flor sendo carregado pelas ruas? Claro, esse gesto não é visto no dia-a-dia, ou pelo menos não por mim, o que causa uma difusão nas mentes das pessoas, uma paisagem cinza e agressiva onde passeia uma imagem colorida e delicada, acaba sendo notada como um intruso.
Eu, sinceramente, acreditava que esse gesto não atrairia a atenção de ninguém, porque na minha cabeça, eu achava que ninguém presta atenção em sua volta. Não, eles prestam, mas prestam apenas quando se interessam por aquilo. Se interessam quando aquilo vai trazer alguma coisa que possa fazer parte do seu mundo individual e preconceituoso. Ao ver uma mulher bonita na rua, logo na há ninguém que passe sem olhar, mas quando um mendigo precisando de cuidados é chutado por seus pés, não é notado. Interessante.
Acho que assim está certo, pois um mendigo não é nada além de uma pessoa que não chamou a atenção dos outros em toda sua vida, não é?! Por que, agora, deveria chamar.

domingo, julho 03, 2005

Anuncio Cerebral

— Sabonete.
— Como?
— É o que eu uso para lavar toda essa sujeira que gruda. Grude. Grude e pastelina.
— Não entendi.
— Não faz mal, mas me diga: Por que está sozinho num sábado à noite?
— Eu...eu não sei. Até gostaria de saber. me diz tu!
— Você não nasceu para viver em sociedade.
— ...
— hu-hum!
— O que isso tem a ver?
— A sociedade que diz que você deve sair sábado à noite!
— Talvez sim. Talvez eu tenha nascido para viver em sociedade, mas não nessa.
— Não me diga...Que tipo então, você nasceu para viver?
— No tipo que as pessoas não estranham se tu sai ou não no sábado à noite.
— Então você esta longe de aproveitar a vida!
— Eu? Eu estou longe? Pelo menos eu faço o que eu quero!
— Não! Você faz o que os seus pais mandam!
— Não! Eu nem tenho pais...
— Então você faz o que quer!
— escuta, tchê. Para de falar “você” ó, tu ta no Rio Grande do Sul! Aqui ninguém fala assim!
— Eu sei, mas se eu falar como tu, ninguém vai saber quem esta falando, fica parecendo a mesma pessoa, saca?
— Saco. Onde a gente tava?
— Você...digo, tu acha que todo jovem quer ser rebelde e diferente, e assim todos se tornam iguais, e desta maneira, ninguém fica rebelde e diferente.
— Exatamente.
— Então ser diferente, agora, requer ser igual aos seus pais, para ser diferente de todos os jovens...
— Exatamente.
— Por que quando quem esta na moda é aceito e quem tem cérebro não é?
— Na terra dos ignorantes, quem tem cérebro quer “aparecer”, e é logo excluído, meu caro.

sábado, julho 02, 2005

O Grito do Poliglota.

Sentado num canto escuro, porém acolhedor, o Poliglota berrou: “houlcrast of the door nichoste wie sachts dia sei, on the wie nichts”. Sentado no canto escuro, mas aconchegante, o Poliglota se calou. Era um homem completo que falava somente uma língua, mas as obrigações de dias intermináveis fizeram o pequeno homem jurar a se comprometer com diferentes linguagens e dicções difíceis. Então o pequeno Poliglota se viu cercado de tênues homens-cascata, o que lhe impedia de pedir água, e dizer que não queria mais ser o experimento dos tênues torturadores.
Assim aprendeu, conscientemente e inconscientemente, as línguas que lhe ensinaram. Os homens-cascata lhe obrigavam todos os dias a recitar poemas de Pablo Neruda, e logo após, recita-los novamente, mas ao inverso, e traduzi-los numa metamorfose fonética retumbante de pequenos estalos significativos. Mas isso exigia muito do pequeno Poliglota, que apesar de ter o QI de 700, não sabia fazer nada além de aumentar seu vocabulário. Sabia todas as línguas do mundo, e falava elas perfeitamente, mas era incapaz de abrir a porta do seu carro-carro. E muito menos sabia o que era uma “metamorfose fonética retumbante de pequenos estalos significativos” pôs-se a chorar. Mas seu choro era o grito triste em todas as línguas conhecidas e ensinadas à ele, mas havia uma diferença: Elas haviam se juntado e formado um novo idioma que somente ele poderia entender. “O their vichtos sabonetos Julius catumetos!” seu choro era constrangedor. Constrangedor para os Homens-cascata. Eles então desistiram do Poliglota e o largaram numa caverna escura, porém aconchegante, onde ele berrava frases aparentemente sem sentido, mas que somente ele poderia entender.
Isso foi o inicio da Humanidade, e o Nome Poliglota se transformou entre os tempos, até chegar o dia de hoje, e ele ser conhecido por Troglodita. Troglodita? Isso mesmo. Por que os loucos são os considerados loucos quando, na verdade, são incompreendidos pelo resto? Seria o mundo todo louco e o Poliglota-Troglodita normal?

sexta-feira, julho 01, 2005

Confissões de Ontem.

Posso dizer agora, mesmo sendo hoje, que não sabia se estava vivo ou morto ontem, ou antes disso, pelo simples fato de não conhecer ninguém. Pensava que qualquer dúvida atrairia apenas mais perguntas, então a ignorância era meu escudo contra a redundância. Não gostava de ser um Ser Humano, mas não conhecia nada melhor, o que era mais um motivo para não formar uma opinião sobre o assunto. querer ter alguma opinião significaria ter que pesquisar outras coisas, coisas demais. Voltava muito atrás para tentar ser coerente, mas não dava. Acabei voltando, e então não gostava e nem desgostava de ser um Ser Humano. Tentei voltar atrás mais uma vez e gostar, mas era impossível. Eu mesmo me sabotava e nunca saia do zero. Sentado à mesa, quis sair de casa e andar num trem. Me perguntei por que a idéia do trem sempre me perseguia. Não procurei uma resposta, pois todas as respostas atrairiam mais perguntas e no fim, ou se sabia de tudo, ou não sabia de nada. Tomei um gole da xícara de café e suspirei. Café era amargo, todo café era amargo. Mas por que tomava? Eu não gostava de amargo! Mas por que não gostava de amargo? Finalmente a eterna rotina de perguntas começara, e logo pela manhã. Seria porque alguém, em algum lugar da minha vida, me disse que era ruim? — Impossível! Não conheço ninguém. E eu não tenho capacidade para decidir sobre gostos, porque gostos são relativos a experiências. — Eu tive experiências ruins com cafés amargos? — Impossível! Nunca tive experiências alguma. — Seria esse o motivo?! Eu, na verdade, não queria saber estas respostas, mas sou fraco demais para ignora-las. E como todo infeliz curioso, me torturei mais buscando o sossego que sabia que não viria através de respostas. Quer saber? Eu não. Hoje é outro dia.