quarta-feira, julho 06, 2016

A MÁQUINA DO TEMPO I

A História, digo, esta história foi reescrita inúmeras vezes, e a cada mudança o antigo foi descartado e este novíssimo texto que você lê aqui, pronto e acabado, aparece como se nada de diferente tivesse em algum momento acontecido. No entanto, a culpa não é daquele que vos fala, do meu perfeccionismo em lapidar palavra por palavra, mas dos próprios personagens.

A temporalidade desta história é praticamente incompreensível para aqueles que vivem dentro dela, os quais não tem a menor ideia de que o seu “destino” – estou cada dia mais convencido de que não é possível usar essa palavra – foi alterado inúmeras vezes, mesmo que eu, o escritor, seja obrigado a fazê-lo por conta dos seus próprios atos, por suas próprias escolhas.

Para quem está de fora é mais fácil compreender, mas somente na medida em que eu puder explicar o que cada um deles fez e como isso alterou sua própria existência. E se você me perguntar como faço para explicar, digo que tenho algumas anotações aqui, mesmo que elas, paradoxalmente, tenham deixado de existir por completo, exceto na minha memória.

Peguemos, por exemplo, o sr. Patrique e sua família. Neste exato momento, eles tomam o café da manhã juntos em um domingo ensolarado. Esse é o tão falado “presente”, o momento que nunca acaba. É um dos dias mais felizes de suas vidas, pois ele acabou de ser promovido no trabalho – numa empresa de tecnologia que encuba outras empresas que estão começando –, as crianças estão convencidas de que irão passear no parque à tarde e a sua esposa é a mulher com quem ele sonhou a vida inteira, tão bem sucedida profissionalmente quanto ele. O retrato da família perfeita, branca, cristã, classe média e heterossexual.

Bem, mas nas minhas anotações obliviadas, esse dia não é assim, ou não foi assim. Dr. Patrique, aqui, é um dos maiores físicos do mundo, vencedor de pelo menos três prêmios nobéis seguidos, além de outros tantos menores. Sua maior descoberta, ele prefere dizer, é uma contraposição à teoria linear do tempo, na qual este era percebido como uma sequência cronológica que ligava sequencialmente o presente ao passado e ao futuro. Sua descoberta, ao contrário, afirma que o tempo é um só, onde passado, presente e futuro acontecem juntos, em um único momento, e que seria possível, portanto, atravessa-lo como quem desce e sobe numa corda a partir de um ponto físico no espaço.

Todos ficaram impressionados quando ele e sua equipe apresentaram uma máquina que podia, nos primeiros testes, monitorar eventos em diferentes épocas, e perceber se havia chovido ou feito sol, se havia caído neve ou não, a partir de onde ela estava. A máquina do tempo tinha que ser levada a algum lugar e dali acessava todas as informações sobre o que já havia acontecido e o que ainda poderia acontecer. Foi classificada pelas revistas científicas como “A maior revolução científicas de todos os tempos” – Irônico, não?

A máquina foi levada às capitais do mundo civilizado e as previsões do tempo foram elaboradas de forma precisa, colhendo-se informações sobre desastres naturais, como furacões, alagamentos, desabamentos e outras catástrofes agora menos imprevisíveis. Passou-se a plantar melhor e a colher mais, sem que fosse preciso modificar os grãos geneticamente. Um grupo de cientistas também conseguiu calcular com sucesso as informações sobre mudanças climáticas, divulgando dados de que a temperatura média da terra, em diferentes regiões, realmente estava subindo por causa das ações do homem. 

Como consequência, novas políticas ambientais foram elaboradas, votadas e postas em prática por diferentes nações, mas uma auditoria conduzida pelo próprio Dr. Patrique chegou à conclusão de que os dados que fundamentavam as políticas globais de mudanças climáticas eram falsos, pois a máquina mostrava sempre a estabilidade do clima futuro.

Ninguém dos departamentos de pesquisa da União Europeia e dos Estados Unidos, que trabalhavam juntos no projeto, soube explicar o que havia se passado, e o Prof. Sanders, da Universidade de Nova York - e responsável pela coleta dos dados na máquina - confidenciou ao Dr. Patrique que ele e a sua equipe, ao analisar os dados, perceberam uma mudança súbita em relação à tendência da mudança climática, apontando que ela não existia no futuro, apesar de existir até aquele momento. A dúvida os corroeu por meses, até que concluíram, com base na própria teoria do Dr. Patrique, que, simplesmente por obterem os dados com o propósito de modificar o clima, eles tinham mudado a própria dinâmica temporal e feito ela desaparecer. Os dados, eles acreditavam, haviam mudado completamente, ab nihilo, sem que fosse possível qualquer evidência de que haviam mudado.

A solução que encontraram era mentir em relação aos dados, pois se mostrassem para a comunidade científica internacional que não havia de fato uma mudança climática, nenhuma ação seria feita, causando um paradoxo temporal em que hora eles concluíam que havia mudança climática, hora que não havia nenhuma. A solução pela mentira e maquiagem de dados tinha servido ao propósito e dado um jeito ao paradoxo. O Dr. Patrique compreendeu perfeitamente e assentiu, convencido que estava de que uma mentira poderia ser benéfica se utilizada para um bem maior. A auditoria nunca foi revelada a ninguém fora do próprio grupo que a elaborou.

Uma advertência, prezados leitores: para alguém que está de fora da mudança temporal, como eu ou você, acompanhando essa situação, é tudo muito claro; mas para eles, que são influenciados pela própria mudança que provocam, é impossível saber o que aconteceu. Um afogado jamais pode olhar as ondas de outro lugar que não do fundo em que se encontra. A superação do paradoxo pela mentira foi a única saída possível frente ao número infinito de repetição que o paradoxo levou para se solucionar, porque, se eles falassem sempre a verdade sobre a mudança climática, ela nunca seria resolvida. Sorte a nossa que o Prof. Sanders e sua equipe são muito engenhosos e perspicazes, porque se não, essa história teria acabado aqui, como abaram tantas outras que envolveram experimentos parecidos com essa máquina do tempo.

A teoria do paradoxo levou o Dr. Patrique a reforçar sua ideia de que mudanças no passado afetavam o presente e o futuro ao mesmo tempo - o que os anglo-saxões chamam de real time - não criando mundos paralelos, nem outras dimensões, mas introduzindo mudanças que se justificavam apenas em si mesmas. Ocorre que os problemas para o Dr. Patrique estavam apenas no início, pois o uso da máquina do tempo não poderia nunca ser reduzido ao controle do aquecimento global.

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