Fui obrigado a escrever o mesmo que meu amigo gárgula escreveria se soubesse escrever. Eu fui obrigado a escrever sobre a pedra que esconde o pôr-do-sol. Uma pedra que, dizem lá na igreja onde o meu amigo de pedra está preso, é a sagrada ou pode ser a sagrada pedra que jogaram na cruz. E como todo objeto sagrado atrai muitos peregrinos, é normal e não que ela seja tirada de lá, mas junto com os peregrinos vem as oferendas. E essas oferendas é o que impede que, mesmo com todos os pedidos calados do meu amigo gárgula, seja retirada dali. Mas eles não entendem o que é ficar todos as horas, todos os minutos, todos os segundos de sua vida de estatua querendo ver o pôr-do-sol, mesmo sem poder ver, sem saber o que é. Gárgula me disse, de seu modo calado, que escrevesse sobre isso. Escrevesse de maneira que quem lesse entendesse. Entendesse e se emocionasse com seu sofrimento calado e seu inevitável silencio contra a religião que o prende de maneira sólida contra a laje obstruída pela pedra santa que jogaram na cruz. Gárgula não disse, mas eu pensei: como pode a pedra que jogaram na cruz, estar ali, obstruindo sua visão do pôr-do-sol? Ou seria isso mentira? (...)
Nota da segunda edição. Após a primeira edição, Gárgula de Pedra, como era seu nome, sofreu um acidente. Ele foi derrubado no chão e resumido a milhares de pedaços. Dentre estes, eu encontrei um que era vermelho. Vermelho como sangue, mas duro como pedra. Eu comuniquei à igreja, e eles falaram que o Gárgula havia cometido suicídio. Mas eu não acredito. Eles devem estar mentindo.
Nota da terceira edição. Meus familiares morreram após a publicação das alterações que da segunda edição. Eu procurei o padre, e ele disse que tinha sido Deus que havia chamado eles. Mas quem tinha feito a entrega? (...)
Nota da quarta edição. Obituário. Morreu nesta quinta feira, o escritor deste conto. Sem muitas indagações sobre sua morte, aparentemente natural. Ou seria...?
Nenhum comentário:
Postar um comentário