domingo, julho 26, 2009

Fragmentos de Entrevista III

[...] O relógio marcou seis horas, mas desmarcou rapidinho. Seis e um, seis e dois, três... somando, somando, somando... assim, como quem olha e diz: "mais, sem parar, por favor", com cara de robô. Eu olhei ele de lado e aboli os números, né, deixei só os tracinhos, pra ver se ele parava de somar... mas não parou, não. Continuou, o infeliz. Um tracinho, dois, três... somando, somando e somando. Aí parei, né. Tirei os tracinhos também. Ficaram só os ponteiros andando, fazendo a ronda deles. Aí ele parou de somar, né... o relógio, não tinha mais o que somar [...]
Mas notei que o mais fininho dos ponteiros andava mais rápido que o grandão, e que o menorzinho deles já quase não andava mais, cabisbaixo. Achei tudo aquilo injusto, né. "Que foi?", perguntei pro menorzinho, "ta tristinho, meu querido?" ele disse... ele não disse nada... mas deveria estar, né, afinal, perdeu os números e os tracinhos que ele visitava de hora em hora. Parece que só sente falta daquilo que se perdeu, aquele que nunca corre pra chegar com a amizade, igual o menorzinho deles. Já o mais fininho, esse sim, andava que era o faceiro fazendo a ronda, girando a cada segundo pra lá e mais pra lá, adante... nem parecia notar que até os tracinhos tinham sido arrancados de lá. O mais interessante é que quando ele dava uma volta completa, o mais fininho, o maiorzinho se movia junto, como quem boceja e samba sem vontade, quase entendiado. Não sei. Achei tudo aquilo estranho. O relógio não dizia mais as horas, enfim [...] E no final das contadas, eu tomei mais um gole de cachaça depois e fui dormir, né, que ninguém é de ferro, preto e branco, com detalhes em marfim.