Não se sabe bem se por acaso ou se por ironia
Mas quando ascendeu à nossa maestria
Uma menina chamada Justiça
Ninguém mais, à lei, desobedeceu.
A princípio ninguém percebeu,
Pois estavam todos comemorando o salto
De ter colocado no planalto
Uma mulher temente a deus.
Logo na manhã seguinte
A atendente da chefatura exclamou
Em um acertado palpite:
"Ao nosso telefone, ninguém ligou!"
Para variar, os céticos não acreditaram
Preferindo se mostrar contrariados;
Já os otimistas, enfim, vibraram:
"Estamos todos, ao sucesso, fadados!"
Engraçado é que no domingo era corrente
Na boca de toda gente
Que até mesmo no futebol
Nenhuma falta sucedeu.
Nos tribunais, sempre lotados,
Já não haviam advogados;
Os magistrados, por sua vez,
Não sentenciavam em altivez.
A nação inteira sorriu,
Pois no planalto já não havia burocracia:
Uma proeza digna de uma democracia
No imenso território do Brasil.
Mas como nada é perfeito,
Os canais de TV causaram defeito:
Não havendo mais noticias de desastre
Passaram a reportar receitas com tomate.
- Não havia mais fome no país!
Ainda que seja justo ter as regras para seguir
"Todas elas possuem uma exceção"
- Era o que dizia a população,
Quando um tal de Malandro, da cena do crime, tentou fugir.
Uma pessoa, em cento e oitenta milhões,
Fez toda a engrenagem burocrática rugir:
"Não se preocupem, meus irmãos,
pois desta situação, iremos todos sair."
A polícia, o Ministério Público,
O Poder judiciário, os advogados,
A Receita Federal, o Tesouro de Estado,
Todos juntos, a sorrir:
"Finalmente teremos uma função,
Qual seja, proteger o bom cidadão."
Até mesmo a antiga programação voltou ao ar,
Podíamos todos aguentar
O lindo casal do jornal
Nos apresentando os deslizes do marginal.
Mas não é que chegou o carnaval?
E com ele, o Malandro, exorcizado do mal,
Pode, enfim, a Justiça seguir.
O mesmo efeito teve sobre o povo de batina
Que pode, enfim, largar a menina,
E completar o doce ritual: agora o bem era o mal.
Quem não gostou nem um pouco disto
Foi a menina Justiça,
Criatura doce e mestiça
Que acabou com o carnaval.
Sob todos os protestos,
Fechou o congresso:
"Farei o que for certo,
Nem que do mundo reste nada!"
- Disse ela, em frente à esplanada.
Malandro, como somente ele podia,
Liderou a eleição com toda a alegria.
Foi até o planalto, e de assalto
Derrubou a menina Justiça, em nome da preguiça.
Estava feita a procissão.